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Licenciamento ambiental em pauta no STF: conceitos fundamentais do instrumento podem ser perigosamente confundidos em importante julgamento

por Marcos Saes e Mateus Stallivieri da Costa.

 

Em abril de 2021, o Supremo Tribunal Federal voltou a debater um tema de suma importância para o desenvolvimento nacional e que tem se tornado recorrente na corte: a competência dos Estados para definir procedimentos e formatos de licenciamento ambiental.

A matéria é relevante porque, ao longo dos anos, diferentes entes federativos regulamentaram novas modalidades de licenças e estudos, além de procedimentos diferentes do tradicional modelo trifásico previsto na Resolução CONAMA 237 de 1997.

Atualmente, o licenciamento simplificado é constante nos órgãos ambientais estaduais, modernizando a dinâmica com que é realizado o licenciamento ambiental no país.

Um exemplo consolidado é a instituição da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC)[1] e da Licença Ambiental Unificada (LAU). Atualmente, os 26 estados da federação e o Distrito Federal já internalizaram em suas normativas os procedimentos denominados simplificados, tornando-os realidade[2]. Consolidação essa que pode ser posta em risco pelo tribunal nos próximos dias.

O STF, ao analisar a questão em momentos anteriores, apresentou entendimentos conflitantes.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4615[3], o tribunal entendeu, por unanimidade, ser constitucional a norma que instituiu a LAC no Estado do Ceará. Do voto do relator, Min. Roberto Barroso, destaca-se o trecho: “Percebe-se que a legislação federal, retirando sua força de validade da Constituição Federal, permitiu que os Estados-membros estabelecessem procedimentos simplificados para as atividades e empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental, que deverão ser aprovados pelos respectivos Conselhos de Meio Ambiente, como sucede no presente caso” (Grifo Nosso).

Acontece que, em sentido diverso, a corte julgou inconstitucional, por meio da ADI 5475[4], a lei do Estado do Amapá que institui a Licença Ambiental Única. No voto condutor da Min. Cármen Lúcia, tem-se que: “Não é lícito ao legislador estadual, nem, no caso, ao legislador amapaense, portanto, dissentir da sistemática definida em normas gerais pela União, instituindo licença ambiental única que, de forma inequívoca, tornará mais frágeis e ineficazes a fiscalização e o controle da Administração Pública sobre empreendimentos e atividades potencialmente danosos ao meio ambiente” (Grifo Nosso).

Apesar do julgamento ser unânime quanto à inconstitucionalidade material da norma, o Min. Gilmar Mendes apresentou voto vencido em que divergia quanto à inconstitucionalidade formal da legislação do Amapá: “Por essas razões, é de se concluir pela constitucionalidade formal de normas dos Estados e do Distrito Federal que disponham supletiva e complementarmente sobre normas de licenciamento ambiental, desde que não ocorra invasão à competência material da União e que atuem nos limites previstos na própria legislação de regência federal, exatamente naqueles licenciamentos de competência estadual, aí incluída a simplificação do licenciamento ambiental, nos exatos termos do art. 12 da Resolução 237/1997 do Conama” (Grifo Nosso).

Ou seja, o tribunal ainda apresenta instabilidade sobre o assunto. Por outro lado, em sentido diverso se encaminha o entendimento quanto à possibilidade de dispensa de Estudo de Impacto Ambiental (EIA).

De forma contundente, a Corte tem afastado a possibilidade de Estados relativizarem a exigência de EIA/RIMA para atividades potencialmente causadoras de significativo impacto ambiental, conforme se retira da ADI 5.312[5]. Existe posicionamento semelhante para os casos de possível dispensa de licenciamento ambiental, conforme o julgamento da ADI  6.288[6].

A existência de entendimentos divergentes é justificável  porque tratam de questões diferentes. A dispensa de EIA/RIMA não pode ser confundida com a criação de novos procedimentos de licenciamento ambiental – ou mesmo com a sua dispensa. Questões diversas e, portanto, entendimentos que podem ser divergentes.

Cabe, por isso, em poucas palavras explicar cada um desses conceitos.

O licenciamento ambiental é um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente – Lei 6.938/1981 (Art. 9º, inciso IV), sendo exigido para empreendimentos ou atividades que efetiva ou potencialmente causem degradação ambiental (Art. 10).

Já o conceito do referido instrumento pode ser retirado da Lei Complementar 140/2011, sendo ele: “o procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental” (Art. 2º, Inciso I).

Os estudos ambientais, por sua vez, são definidos no Art. 1º, inciso III da Res. CONAMA 237, como “[…] todos e quaisquer estudos relativos aos aspectos ambientais relacionados à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento, apresentado como subsídio para a análise da licença requerida […]”. A própria resolução exemplifica alguns desses estudos. Destaca-se, como um dos mais importantes, o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).

A importância é tanta que a Constituição Federal positivou a obrigação de apresentar o EIA/RIMA para as obras e atividades potencialmente causadoras de significativa degradação ao meio ambiente (Art. 225, §4º). Regulamentando a questão, a Res. CONAMA 01/1986 apresenta uma lista exemplificativa de atividades que necessitam de EIA/RIMA para embasar seu licenciamento (art. 2º).

Em resumo, temos que o licenciamento ambiental é um procedimento administrativo, exigido para atividades ou empreendimentos potencialmente causadores de degradação ambiental, subsidiado por estudos ambientais. Nos casos de potencial significativa degradação, o estudo exigido será o EIA/RIMA.

Definidos os conceitos fundamentais, é possível adentrar no objeto da ADI 4529[7].

A ação, movida pela Procuradoria Geral da República, objetiva a declaração de inconstitucionalidade de dois dispositivos da redação atual do Código Estadual do Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso (Lei Complementar 38/1995), ambos relacionados à necessidade de EIA/RIMA.

O Art. 3º, inciso XII, obriga a apresentação do estudo para as usinas termelétricas e hidrelétricas com capacidade acima de 30 MW, enquanto o Art. 24 no inciso VII exige o EIA para obras hidráulicas com inundação de mais de 13 km² e usinas geradoras de energia acima de 30 MW.

Segundo a PGR, as disposições contrariam a Resolução CONAMA 01/1986 que exige EIA/RIMA para empreendimentos hidrelétricos acima de 10 MW. Na interpretação da Procuradoria, a norma do Mato Grosso dispensa o EIA para as hidrelétricas com capacidade entre 10 e 30 MW.

Ou seja, o objeto da ADI seria uma ofensa ao Art. 225, § 4º, da Constituição Federal, em virtude de uma suposta dispensa de EIA/RIMA para atividades potencialmente causadoras de significativo impacto ambiental. Simplificando: o processo judicial debate a possibilidade de um ente federativo regulamentar a realização ou não de um estudo ambiental específico, quando já existe previsão federal em contrário.

A ADI 4529 entrou no plenário virtual do STF dia 09/04/2021, sendo realizado pedido de vista dia 12/04/2021 pelo ministro Gilmar Mendes e suspendendo assim o julgamento. Ocorre que antes do pedido de vista a Ministra Rosa Weber já proferiu  seu voto, manifestando-se pela inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei Complementar[8].

O que chamou atenção não foi o seu entendimento pela impossibilidade de dispensa de EIA, mas sim a evidente confusão entre os termos já citados na presente exposição.

Ao falar dos efeitos da legislação estadual, a ministra afirma que “as normas estaduais dispensam o licenciamento ambiental de empreendimentos hidrelétricos com potencial entre 10 e 30 MW, distintamente do quanto previsto na Resolução nº 01/86 do CONAMA” (Grifo Nosso) (Pg.8 do Voto).

Em continuidade, o voto ainda expõe que “Nessa linha de raciocínio jurídico, a lei teria criado dispensa do licenciamento ambiental para atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, em afronta ao artigo 225, § 1º, IV, da Constituição Federal” (Grifo Nosso) (Pg.8 do Voto).

Poderia ser  apenas um trecho isolado da decisão, mas a confusão terminológica se repete na conclusão do voto, de onde se retira: “Afastando-se da regra de proteção ambiental, a Lei Complementar nº 38 /1995 do Estado de Mato Grosso flexibilizou indevidamente a determinação constitucional ao dispensar o licenciamento de obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos para fins hidrelétricos com fonte de energia primária de 10 a 30MW e com determinada extensão de área inundada” (Grifo Nosso) (Pg.19 do Voto).

O voto evidencia o que parece ser uma confusão entre a dispensa de estudo e a dispensa de licenciamento. A não exigência de EIA/RIMA não necessariamente significa a inocorrência de licenciamento ambiental, que poderá ocorrer normalmente, ainda que subsidiado por estudos diversos.

Independente do mérito da ADI, o que preocupa é justamente a inversão conceitual – já adiantada na prévia do julgamento. O STF, que vem apresentando entendimentos conflitantes em assuntos idênticos, precisa exercer seu papel pacificador e garantir a segurança jurídica necessária para o exercício da competência legislativa.

Não é viável que os Estados (no caso, todos) e empreendedores fiquem reféns de idas e vindas de posicionamentos. Por essa razão, apesar do voto já apresentado, espera-se que a continuação do julgamento proporcione uma maior consolidação, seja pela declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade da legislação impugnada, ou por meio da análise adequada de um instrumento tão relevante, que é o licenciamento ambiental.

A situação também reforça a necessidade de aprovação de uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental, garantindo assim justamente uma maior segurança jurídica para quem investe e atua no Brasil[9]. A falta de um regramento claro em âmbito federal é o principal impulsionador de interpretações e normas conflitantes, sendo necessário uma aprovação com urgência para estancar a problemática situação.

Notas:

[1] A LAC “autoriza a instalação e a operação de atividade ou empreendimento, de pequeno potencial de impacto ambiental, mediante declaração de adesão e compromisso do empreendedor aos critérios, pré-condições, requisitos e condicionantes ambientais estabelecidos pela autoridade licenciadora, desde que se conheçam previamente os impactos ambientais da atividade ou empreendimento, as características ambientais da área de implantação e as condições de sua instalação e operação.”, sendo realidade em 10 estados da federação atualmente. Informações disponíveis em: https://www.saesadvogados.com.br/2021/05/21/saiba-o-que-e-a-polemica-lac-licenca-por-adesao-e-compromisso/. Acesso dia 04/07/2021

[2] Informações disponíveis em: https://www7.fiemg.com.br/publicacoes-internas/legislacaoambiental Acesso dia 04/07/2021.

[3] Processo disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4092257. Acesso dia 04/07/2021.

[4] Processo disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4927581. Acesso dia 04/07/2021.

[5]Processo disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4761115. Acesso dia 04/07/2021.

[6] Processo disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5834246. Acesso dia 04/07/2021.

[7] Processo disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4012132. Acesso dia 04/07/2021.

[8] Cabe o destaque de que, com o pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes, ainda é possível que a Ministra Rosa Weber realize alterações ou até mesmo retire o seu voto.

[9] O projeto que trata do assunto foi aprovado no dia 14 de maio de 2021 na Câmara dos Deputados, com 290 votos favoráveis, tramitando agora no Senado como PL 2.159/2021 e possuindo como relatora a Sen. Kátia Abreu (PP-TO). As modificações entre as versões já apresentadas, bem como comentários quanto às inovações do PL podem ser conferidas em: https://www.saesadvogados.com.br/2021/05/26/pl-da-lei-geral-do-licenciamento-ambiental-entenda-o-que-mudou-durante-a-tramitacao/. Acesso dia 04/07/2021.

Marcos Saes
Marcos Saes – Advogado. Especialista em Direitos Difusos e Coletivos e Especialista em  Direito Penal. Presidente da Comissão de Direito Ambiental do IBRADIM. Diretor de Meio Ambiente da AELO. Superintendente Regional do IBDiC. Membro do Grupo de Trabalho de Licenciamento Ambiental do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico (FMASE). Consultor Jurídico da CBIC. Consultor do SECOVI-SP. Email: [email protected]

 

Mateus Stallivieri da Costa – Advogado. Especialista em Direito e Negócios Imobiliários e Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico. Mestre em Direito Internacional e Sustentabilidade pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Email: [email protected]

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