terça-feira , 1 julho 2025
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O Dever que Persiste: A Responsabilidade do Município Após a Destinação dos Resíduos ao Aterro

Por Maurício Fernandes

A gestão adequada dos resíduos sólidos urbanos (RSU) é um dos grandes desafios das administrações municipais no Brasil. Embora pode-se pensar que a responsabilidade se encerra com a destinação dos resíduos a aterros sanitários, essa visão é juridicamente equivocada. A Constituição Federal, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n. 12.305/2010) e a jurisprudência consolidada apontam para um dever contínuo e ininterrupto do município, mesmo diante da terceirização dos serviços.

Recentemente, em 18 de junho de 2025, houve um deslizamento ocorrido no Aterro Ouro Verde, em Padre Bernardo (GO), onde cerca de 40 mil metros cúbicos de resíduos deslizaram sobre o terreno e atingiram o Córrego Santa Bárbara e o Rio do Sal, contaminando corpos hídricos e gerando alerta ambiental na região. O prejuízo ambiental foi somado a decisões de bloqueio de bens no valor de R$ 10 milhões e interdição total do empreendimento. Mais de 250 CNPJ´s enviaram resíduos para o local e podem ser responsabilizados solidariamente.

A responsabilidade do município não termina no portão do aterro

É pacífico no Direito Ambiental que a responsabilidade pela adequada destinação dos resíduos não se encerra com sua entrega a um operador terceirizado. O município, como titular do serviço público de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos (art. 7º da Lei 12.305/2010), permanece responsável pela fiscalização, pelo monitoramento e pela garantia da destinação ambientalmente adequada, conforme os critérios técnicos, pela legislação ambiental e pelo órgão licenciador.

A jurisprudência reconhece que o gerador do resíduo possui responsabilidade solidária por eventuais danos ambientais. Ainda que a execução operacional seja realizada por empresas privadas, a titularidade e o dever de controle permanecem públicos.

Importante destacar que o risco ambiental dos municípios que não destinam seus resíduos a aterros sanitários adequados não é substancialmente diferente daqueles que os destinam sem um controle e fiscalização efetivos. A existência formal de um aterro licenciado não elimina os riscos ambientais, como colapsos, vazamentos de chorume, contaminação hídrica ou emissões atmosféricas.

Os riscos ao erário e à responsabilização de gestores

A negligência com a fiscalização das operações em aterros pode gerar consequências severas, tanto para os cofres públicos quanto para os próprios gestores municipais. São recorrentes os casos em que:

Rompimentos de taludes ou colapsos estruturais em aterros geram danos ambientais de grande vulto, obrigando o município a arcar com medidas de emergência e remediação;

Chorume ou resíduos contaminam lençóis freáticos e cursos d’água, implicando responsabilidade civil ambiental objetiva;

O Tribunal de Contas exige a responsabilização de agentes públicos por omissão no controle de contratos e ausência de fiscalização ambiental, com apuração de dano ao erário e possíveis sanções de improbidade administrativa.

No Brasil, cerca de 29 milhões de toneladas de resíduos são destinadas de forma inadequada todos os anos, segundo o Panorama dos Resíduos Sólidos 2024. Isso equivale a 36% da produção nacional de RSU. No Rio Grande do Sul, os dados são mais positivos, mas ainda preocupantes: o estado gera aproximadamente 5.718 toneladas de RSU por dia, das quais cerca de 9% (113 mil toneladas/ano) são destinadas a locais com estrutura insuficiente, sujeitos a riscos de colapso, poluição e passivos ambientais.

Destaca-se que cerca de 40% de todo o lixo gaúcho vai para o Aterro Sanitário de Minas do Leão, que recebe resíduos de mais de 90 municípios. Outro polo de recebimento é o Aterro da Metade Sul, em Candiota, que atende 30 cidades, inclusive Pelotas. Esse modelo de concentração, embora tecnicamente adequado, aumenta o risco de impacto regional caso haja falha estrutural ou de fiscalização.

Qualquer contaminação gerada nesses locais implicará em responsabilização dos Município que enviaram seus RSU´s para lá.

A imprescritibilidade do dano ambiental

O dano ambiental possui natureza difusa e coletiva, sendo imprescritível a ação de sua reparação. Essa tese é pacífica na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF)

Isso significa que o município que for omisso na fiscalização e permitir a ocorrência de um passivo ambiental — ainda que decorrente de contrato com empresa privada — pode responder a qualquer tempo pela reparação do dano, mesmo que anos após o encerramento da operação.

Considerando que os resíduos enterrados permanecem como tal pode décadas, não há falar em prazo para cessar a responsabilidade. Além disso, é preciso mudar a lógica atualmente utilizada, pois os contratos de destino de resíduos são considerados como uma aquisição de um espaço no aterro, quando – na verdade – é uma locação, pois se está criando uma relação eterna e solidária de responsabilização entre o operador do aterro e o Município destinador do resíduo.

A inclusão dos custos ambientais no planejamento orçamentário

Em razão desses riscos, é imprescindível que os municípios deixem de encarar a contratação de aterros como uma “solução final” e passem a internalizar os custos ambientais envolvidos, incluindo:

  • Auditorias técnicas periódicas no aterro;
  • Monitoramento ambiental de efluentes, lençol freático e emissões de gases;
  • Reserva orçamentária para medidas emergenciais e passivos ambientais;
  • Capacitação da equipe técnica da prefeitura para fiscalização contínua.

Esses custos devem constar no planejamento orçamentário municipal, nas leis orçamentárias e nos contratos administrativos firmados, sob pena de se perpetuar um sistema de gestão aparente, que ignora o risco e transfere, indevidamente, a responsabilidade para terceiros.

Conclusão

A responsabilidade municipal na gestão de resíduos não se exaure com a remessa a aterros sanitários. Ela persiste — e com força — como obrigação fiscalizatória, como dever constitucional de tutela ambiental e como risco real ao erário e à estabilidade administrativa dos gestores. A compreensão dessa continuidade deve levar à revisão das práticas administrativas, ao aperfeiçoamento da estrutura técnica e à previsão orçamentária dos custos e riscos ambientais envolvidos, sob pena de o município ser juridicamente responsabilizado por um passivo que julgava resolvido.

A ocorrência do desastre ambiental no Aterro Ouro Verde demonstra que o dano ambiental não é exclusivo de operações ilegais ou de lixões, podendo emergir inclusive de empreendimentos licenciados, se não forem objeto de vigilância permanente. E, por se tratar de bem difuso e essencial à coletividade, sua reparação é imprescritível, o que eterniza a exposição jurídica do poder público quando negligente.

mauricio fernandes advogadosMaurício Fernandes, advogado na área ambiental e urbanística, foi Secretário do Meio Ambiente e Sustentabilidade de Porto Alegre (2017/2019).

Instagram@mfernandes.dam

 

 

 

 

 

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