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Rio Grande do Sul discute novo Código Ambiental

por Maurício Fernandes.

Tramita na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul o Projeto de Lei n. 431/2019, que institui um novo Código Estadual do Meio Ambiente (CEMA). O Código Estadual vigente é do ano 2000 e não há dúvidas que exige atualizações, embora muitas regras de vanguarda ali previstas nunca saíram do papel.

O Poder Executivo Estadual busca, com o novo marco legal ambiental, (i) o fortalecimento dos mecanismos de proteção ao meio ambiente; (ii) o bem-estar da população; (iii) fomento ao empreendedorismo; e (iv) valorização das boas práticas adotadas na proteção ambiental, segundo a justificativa.

A partir de hoje, a cada dia ampliaremos esta matéria, fazendo constar uma abordagem sobre o projeto de lei que tramita na assembleia legislativa gaúcha.

Objetivo é uma abordagem jurídica a partir das premissas do Direito Ambiental e da advocacia ambiental.

Como o projeto tramita em regime de urgência, há expectativa para que seja incluído na ordem do dia até meados de novembro de 2019, motivo pelo qual o ora exposto visa mais informar do que servir de pesquisa acadêmica jurídica ambiental.

Regime de Urgência

O Poder Executivo atribuiu regime de urgência para proposta. Na prática, não há discussões em comissões e a inclusive na ordem do dia, para votação, deve ocorrer em 30 dias.

Temas ambientais caracterizam-se (infelizmente) por passionalidades e radicalismos. Em tese, nenhuma matéria sujeita a um Código, pela complexidade inerente, cobra ordinariamente um regime de votação expresso. A Constituição Estadual[1] determina a elaboração de um único marco legal na área ambiental, mas também prevê o regime de urgência injustificado como premissa do Governador em projetos de sua iniciativa.[2]

Por evidente que a votação célere é prerrogativa do Poder Executivo, sem que possa ser atribuída qualquer ilegalidade. Trata-se, pois, de escolha política do Governador.

Codificação – bom ou ruim?

Também vale registrar que a codificação de um assunto busca trazer mais estabilidade e previsibilidade no trato do assunto, notadamente aos seus operadores rotineiros.

Particularmente, tenho tido o prazer de, através de processos licitatórios, assumir a responsabilidade de codificar normas locais em municípios brasileiros. Aqui no RS contribuímos na elaboração do Código de Tramandaí e atualmente estamos trabalhando em um Código Ambiental em Paranaguá, complexa cidade portuária paranaense.

Não há dúvidas de que uma única norma facilita a compreensão do referido assunto, sem prejuízo de regulamentações específicas posteriores. Também é correto afirmar que a codificação traz maior dificuldade para alterar os preceitos postos, o que pode ser interpretado como maior estabilidade no tempo.

Mens legis

O “espírito da lei” perceptível da análise do projeto de Lei do Código Estadual do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, consiste em um código voltado às políticas ambientais do ente federado estado, e não mais um código para todos órgãos gaúchos integrantes do SISEPRA (Sistema Estadual de Proteção Ambiental). O PL revoga dispositivos que vinculam os demais poderes públicos, mantendo menção ao Sistema Estadual de Proteção Ambiental (Sisepra – Lei Estadual n. 10.330/94) apenas em dois artigos.

Os entes estatais brasileiros, por regra federal, formam o Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente – Lei n. 6.938/81, art. 6º.) e a Constituição Federal determina que União, Estados e Municípios deverão de forma cooperada proteger o ambiente. A Constituição Federal também outorga a competência concorrente para legislação sobre o ambiente, ou seja, todos entes federativos tutelam legislativamente (definição de regras) e administrativamente (fiscalização) o ambiente.

Dessa forma, tem-se, em verdade, uma teia legal complexa que deve, cooperativamente, ser harmônica. Além disso, a União, ao definir regras gerais, e os Estados suas regras regionais, vinculam e limitam consideravelmente a liberdade legislativa local, exercidas pelos municípios.

O atual Código Estadual (vigente) é rico definir regras para todo o poder público. Exemplo dessa premissa adotada é o art. 6, §2º do código vigente (art. 7º da proposta), pois traz bem essa distinção. Enquanto a redação atual determina a limitação de ações ou atividades poluidoras visando a recuperação das áreas, a redação atual coloca essa prerrogativa ao Estado, não mais ao “Poder Público,” ou seja, estado, municípios e inclusive órgãos públicos e demais poderes.

Uma cartilha para FEPAM?

O Projeto de Lei, entretanto, optou por adotar uma tutela mais voltada às rotinas administrativas do Estado do Rio Grande do Sul (FEPAM e SEMA), enquanto ente federado, sem vincular diretamente os demais poderes, entes e órgãos, motivo pelo qual pode-se afirmar ser um novo código voltado ao Estado, não mais Estadual.

O CEMA proposto pois foca nas estritas competências estaduais e afasta-se de diretrizes para a gestão municipal, mesmo em se tratando de legislação concorrente.

Caracteriza-se por focar na tutela estritamente estadual do ambiente, inclusive revogando temas caros aos gaúchos, como poluição visual e sonora. Por serem tipicamente locais, a tutela desses pontos foi afastada da atual proposta, sob a justificativa de que cada município deve regrar livremente o assunto.

Se no CEMA atual há diretriz sob o assunto, com a aprovação da redação pretendida, cada município terá plena liberdade para tutelar tais pontos.

Consistiu em opção do proponente, portanto, não regrar sobre alguns tipos de poluição (inclusive as regras para poluição atmosférica foram revistas).

A consequência disso é que cada município deverá elaborar sua legislação suprindo eventuais lacunas, ao passo que, atualmente, o município adota a legislação estadual sem necessitar aprovar uma lei específica.

Licença Ambiental

As políticas ambientais ainda estão focadas em excesso no instrumento licença ambiental. Entendemos que é um instrumento restrito, varejista, arrecadatório e de abrangência regional limitada.

Perde-se oportunidade de priorizar e fortalecer o instrumento “Zoneamento”, para – em breve – nos emanciparmos das licenças ambientais. O Estado está desenvolvendo o Zoneamento Ecológico Econômico, que – bem utilizado – distensiona e desenvolve economicamente em equilíbrio socioambiental. Merece ser concluído e amplamente debatido, como uma grande pacto para desenvolver de forma equilibrada o Rio Grande do Sul.

O projeto ratifica que o licenciamento ambiental deve ter seus custos ressarcidos pelo empreendedor interessado. Todavia, sabe-se que nenhum órgão do Sisnama efetivamente tem em suas rotinas a divulgação da produtividade de hora técnica de trabalho empenhado em cada licença. Aliás, as tabelas de custos adotam o critério de porte/grau de poluição para cobrança de taxa de licença ambiental, não tempo de trabalho dedicado. Não se trata de uma crítica à FEPAM, mas uma constatação generalizada nacionalmente que, neste projeto poderia ser revisto.

Não há juridicamente relação entre contraprestação pelo serviço prestado e o valor supostamente proporcional das taxas para licenciamento ambiental.

Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC)

A Licença por Adesão e Compromisso (LAC) já é utilizada em alguns Estados da federação e municípios. O STF, por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4615 em setembro de 2019 (https://direitoambiental.com/stf-lei-estadual-que-cria-licenca-ambiental-por-autodeclaracao-e-constitucional/), reconheceu a competência legal do Estado para legislar sobre essa autorização autodeclaratória, com posterior conferência, como uma declaração de imposto de renda.

De qualquer forma, a LAC consiste em um rito simplificado que, bem utilizado, pode constituir um avanço e a inversão da lógica atual de “monitorar processo e não as licenças” para “licenciar rapidamente e monitorar a atividade”.

Evidente que tal rito não é aplicável para todas atividades e exige o permanente monitoramento das atividades licenciáveis, devendo haver uma regulamentação específica.

A legislação ambiental é rígida para quem burla processos e informações em procedimentos ambientais, mas precisa ser aplicada. Isso vale para os conselhos de classe, que devem aplicar suas normas internas para banir profissionais que lesam preceitos legais e o próprio ambiente (vide, por exemplo o art. 69A da Lei n. 9.605/98).

Internalização de preceitos federais

Na proposta apresentada, vários dispositivos do código vigente foram retirados. Possivelmente a justificativa seja que já estão previstos em norma federal, seja lei ou resolução do Conama.

Cite-se, por exemplo, a Educação Ambiental (art. 27 do código vigente e 22 do PL), restrição à financiamentos (24 e 25 do código vigente), etc.

Contudo, em se tratando de licenciamento ambiental, diversos dispositivos foram internalizados pela proposta, adotando a resolução 237 do Conama como parâmetro.

Em relação às Áreas de Preservação Permanente (APP´s), o projeto adotou a regra geral federal, o que vai muito bem. Contudo, o RS possui peculiaridades que não estão representadas na regra federal (Lei n. 12.651/12), como banhados (mantido) e dunas.

A legislação federal não protege as dunas desprovidas de mata de restinga e sua única proteção é a legislação gaúcha, ora revogada.

Evoluções significativas

No Código vigente, qualquer intervenção em Área de Preservação Permanente exigia EIA/RIMA (art. 14, IX), o que é desnecessário e exagerado. O PL corrige isso.

A concessão de Unidades de Conservação à iniciativa privada deverá ser viabilizada. Segundo o projeto, afasta-se a necessidade de que a receita de ingressos e entrada de visitantes esteja vinculada à aplicação na própria UC  (art. 48 do CEMA e 44 do PL).

Zona de amortecimento e autorização para empreender. O CEMA prevê zona de amortecimento até mesmo para APA, algo que na esfera federal não há. A redação proposta padroniza as regras. Além disso, esclarece que a manifestação do órgão gestor de UC será apenas uma vez e não a cada renovação (art. 51 do PL).

O projeto de lei ratifica a regra já existente de competência supletiva para decurso do prazo no processo de licenciamento, ou seja, ultrapassado o prazo de seis meses para licenciamento, o servidor da FEPAM deverá enviar o processo administrativo para o Ibama (art. 58). A princípio isso deverá ocorrer de ofício

 

Consema – Conselho Estadual do Meio Ambiente

O PL transfere ao CONSEMA a responsabilidade por decidir em 15 situações, desde o que licenciar, inclusive via LAC (arts. 50 e 53), até o que deverá submeter-se ao EIA/RIMA (art. 67)  ou realizar auditoria (art. 79). Até mesmo a criação de uma Unidade de Conservação Particular deverá ser regrada pelo Consema (art. 38).

O Conselho Estadual do Meio Ambiente é o órgão superior do Sistema Estadual de Proteção Ambiental. Possui caráter deliberativo e normativo e é responsável pela aprovação e acompanhamento da implementação da Política Estadual do Meio Ambiente. (Lei nº 10.330/1994).

É composto por representantes da sociedade civil, governo, organizações não-governamentais, federação de trabalhadores, do setor produtivo e universidades. De 31 vagas, 15 são de representações públicas, sendo 12 só do Governo Estadual.

(continua amanhã)

 

Notas:

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[1] Constituição do Estado do Rio Grande do Sul:

Art. 40.  No prazo de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, serão editados:

I – Código Estadual do Meio Ambiente;

II – Código Estadual de Uso e Manejo do Solo Agrícola;

III – Código Estadual Florestal.

Parágrafo único.  Os Códigos a que se refere este artigo unificarão as normas estaduais sobre as respectivas matérias, dispondo, inclusive, sobre caça, pesca, fauna e flora, proteção da natureza, dos cursos d’água e dos recursos naturais, e sobre controle da poluição, definindo também infrações, penalidades e demais procedimentos peculiares.

[2] Art. 62.  Nos projetos de sua iniciativa o Governador poderá solicitar à Assembléia Legislativa que os aprecie em regime de urgência.

§ 1.º  Recebida a solicitação do Governador, a Assembléia Legislativa terá trinta dias para apreciação do projeto de que trata o pedido.

§ 2.º  Não havendo deliberação sobre o projeto no prazo previsto, será ele incluído na ordem do dia, sobrestando-se a deliberação de qualquer outro assunto até que se ultime a votação.

§ 3.º  O prazo de que trata este artigo será suspenso durante o recesso parlamentar.

 

Maurício Fernandes – Advogado, professor e autor de código ambientais municipais. Ex-Secretário de Meio Ambiente de Porto Alegre/RS e editor dos sites www.direitoambiental.com e www.direitoagrario.com . Contato: [email protected] (www.mauriciofernandes.adv.br)

 

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