O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou provimento a recurso por meio do qual a Organização Não Governamental (ONG) Associação Bichoterapia buscava trazer à Corte a análise de matéria referente ao uso de veículos de tração animal em Porto Alegre. Na decisão tomada no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 976552, o ministro afastou a tese da recorrente no sentido da proteção insuficiente do Poder Público municipal quanto ao dever de coibir práticas cruéis contra os animais.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) manteve sentença que julgou improcedente pedido apresentado em ação civil pública no qual se alegou omissão ou proteção insuficiente do município quanto a práticas que submetam animais a crueldade. O TJ-RS destacou que o caso envolve a Lei municipal 10.531/2008, que, no seu artigo 3º, estabeleceu prazo de oito anos para que fosse proibida em definitivo a circulação dos veículos em questão no trânsito de Porto Alegre. Além disso, ressaltou que a lei local teve sua constitucionalidade reconhecida em julgamento proferido por aquela corte.
No recurso ao STF, a Associação Bichoterapia sustentou que o TJ-RS não observou o artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, da Constituição Federal, que veda as práticas que submetam os animais a sofrimento. Alegou que o tribunal estadual, ao considerar suficientes a legislação municipal e a política pública local implementada pela Prefeitura de Porto Alegre, afrontou o dever estatal de assegurar um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Decisão
O ministro Marco Aurélio destacou que a decisão do TJ-RS está em consonância com a Constituição Federal e que há uma legislação municipal voltada a coibir a utilização de veículos de tração animal. O ministro observou que Lei municipal 10.531/2008 não impede a adoção de medidas, no exercício do poder de polícia, “voltadas à repressão de práticas cruéis contra os seres vivos, comprovadas em cada caso”.
O relator frisou ainda que o prazo para retirada de circulação dos veículos em questão venceu em agosto deste ano, “resultando na automática proibição do trânsito dos referidos equipamentos, justamente o pedido formulado na ação civil pública”. Com base nesses fundamentos, o ministro Marco Aurélio desproveu o agravo.
Fonte: STF, 19/09/2016
Confira a íntegra da decisão:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 976.552 RIO GRANDE DO SUL
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
RECTE.(S) :ASSOCIACAO BICHOTERAPIA
ADV.(A/S) :INGO DIETRICH SOHNGEN
RECDO.(A/S) :MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE
PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE
RECDO.(A/S) :EMPRESA PUBLICA DE TRANSPORTE E CIRCULACAO S/A
ADV.(A/S) :HARYEL FORTES
DECISÃO
RECURSO – AUSÊNCIA DE ENQUADRAMENTO NO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL – INADEQUAÇÃO – AGRAVO DESPROVIDO.
1. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul confirmou a sentença mediante a qual o Juízo julgou improcedentes os pedidos formulados em ação civil pública, ante fundamentos assim resumidos:
DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VEDAÇÃO DO USO VEÍCULOS DE TRAÇÃO ANIMAL NO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE. DEVER DE COIBIR AS PRÁTICAS QUE SUBMETAM OS ANIMAIS À CRUELDADE. PROTEÇÃO INSUFICIENTE DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. 1. A vedação constitucional – prevista no art. 225, § 1º, VII, da CF/88 – das práticas que submetam os animais a sofrimento e crueldade, decorre da dimensão objetiva do direito fundamental ao meio ambiente e traduz-se em um típico dever de proteção do Estado em matéria ambiental. É pois, tarefa (ou fim) estatal zelar pelo bem-estar animal e combater, em todas as esferas, as práticas que causem sofrimento aos animais.
2. Contudo, na hipótese, não está configurada hipótese de omissão ou mesmo de proteção insuficiente do Poder Público Municipal no trato da questão. A Lei Municipal n. 10.531/08, em seu art. 3º, estabeleceu prazo de 8 anos para que seja proibida em definitivo a circulação de VTAs e VTHs no trânsito do Município de Porto Alegre.
3. Referida Lei Municipal teve sua constitucionalidade reconhecida por esta Corte, no julgamento da ADI 70030187793, ocorrido em 05/10/2009;
4. Em face de uma realidade de absoluta desigualdade no cenário social brasileiro, em que muitas das mazelas do atual modelo de desenvolvimento econômico recaem diretamente sobre parcelas menos favorecidas da população, não se pode desconsiderar que a utilização de animais de grande porte, notadamente cavalos, na tração de carroças, no perímetro urbano de Porto Alegre, é prática já associada à subsistência de inúmeros indivíduos.
5. Não pode ser olvidado também que o prazo final para retirada dos VTAs de circulação em Porto Alegre é agosto de 2016, quando então se poderá exigir de modo contundente que o Poder Público cumpra com o disposto na legislação municipal.
6. Por certo os abusos contra os animais devem ser individualmente coibidos enquanto os grupos sociais se adaptam aos programas de redução de VTAs estabelecidos pela Lei Municipal e pelo Decreto regulamentador. Também a responsabilidade solidária das autoridades competentes que deixem de dar cumprimento às obrigações estabelecidas, deve ser observada. Contudo, tais questões refogem ao objeto da presente ação civil pública, podendo ser objeto de ação específica.
7. Solução ancorada em uma visão integrada a interdependente dos direitos fundamentais sociais e de proteção do ambiente, aqui compreendida a vedação de maus tratos aos animais.
PREQUESTIONAMENTO
Inexiste obrigatoriedade de enfrentamento direto quanto a todos os dispositivos legais invocados pelo recorrente, bastando a solução da controvérsia trazida à baila. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. APELO DESPROVIDO.
No extraordinário cujo trâmite busca alcançar, a recorrente afirma ter o Tribunal de origem negado vigência ao artigo 225, § 1º, inciso VII, da Constituição Federal. Consoante argumenta, ao considerar suficientes a legislação municipal e a política pública local implementada pela Prefeitura de Porto Alegre, afrontou-se o dever estatal de assegurar meio ambiente ecologicamente equilibrado.
2. A decisão impugnada está em consonância com a Carta Federal, presente legislação municipal voltada a coibir a utilização veículos de tração animal, afastando a tese de proteção insuficiente do Estado. A ressaltar essa óptica, o mencionado diploma não impede a adoção de medidas, no exercício do poder de polícia, voltadas à repressão de práticas cruéis contra os seres vivos, comprovadas em cada caso.
No mais, o prazo para retirada de circulação dos veículos em jogo findou em agosto deste ano, resultando na automática proibição do trânsito dos referidos equipamentos, justamente o pedido formulado na ação civil pública.
3. Ante o quadro, desprovejo o agravo.
4. Publiquem.
Brasília, 13 de setembro de 2016.
Ministro MARCO AURÉLIO
Relator