terça-feira , 15 outubro 2024
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(Des)embargo ambiental – breves reflexões

Por Bruno Campos Silva e Rennan Thamay

O presente ensaio possui a finalidade de apresentar breves, porém necessárias, reflexões acerca do (des)embargo ambiental.

O embargo ambiental, catalogado em lei, é medida administrativa[3] com viés cautelar, sem prazo legal de duração, o que, de certa forma, transforma-o em nítida sanção administrativa.[4]

A funcionalidade do embargo está relacionada à “prevenção” contra novas infrações ambientais e para garantir a recuperação da área atingida (apenas a localidade objeto do ilícito poderá ser embargada, diga-se) e o resultado prático do processo administrativo (ex vi do art. 101, §§ 1º e 4º, do Decreto Federal n. 6.514/2008 e art. 6º, III, da Instrução Normativa n. 19/2023, do Ibama).

Explica-se: Embargo-cautelar – prevenção referente à “situação cautelanda” – caráter temporário da medida. Embargo-sanção – se não for afastada a “situação cautelanda”, em tempo razoável e com o devido processo legal. O que não se admite é a imposição do embargo ambiental-sanção após o cumprimento das obrigações relativas à regularização da área e sem a oportunidade de participação e influência na decisão que o impôs.

E, se cautelar for, a digital da temporariedade deve ser observada, haja vista a sua utilidade para debelar a “situação cautelanda” enquanto perdurar (rectius: existir).

Nesse caso, se o embargo ambiental, caracterizado como medida administrativa de natureza cautelar, for utilizado para afastar uma “situação cautelanda” (função temporária) advinda de “concreto e real” perigo de dano ambiental constatado mediante lavratura de auto de infração, se houver a nulidade do aludido auto de infração e da respectiva multa, o embargo ambiental também deverá ser invalidado, não há, portanto, possibilidade de se defender a manutenção do óbice se não existir mais a “situação cautelanda” – já que do contrário estar-se-ia diante de reprochável “sanção administrativa” aplicada às margens do Estado Democrático de Direito. Além disso, o embargo ambiental acautelatório não antecipa (com a satisfação) quaisquer efeitos, mas apenas resguarda (realizando) o direito de preservação/conservação dos bens ambientais (finitos) contra o perigo de dano até que o órgão ambiental possa efetivamente conferir a regularização e regularidade da área objeto do embargo.

Por isso, o fator temporal é de suma importância para que o embargo ambiental não se revista de função sancionatória, na medida em que sua funcionalidade está intimamente relacionada com a asseguração, no início de um processo administrativo, a fim de salvaguardar o efetivo cumprimento de exigências “razoáveis” do competente órgão ambiental responsável pela imposição do óbice.

Antes um pequeno recorte: o embargo ao ser aplicado, por certo, restringe a liberdade daquele que foi apontado como descumpridor da legislação ambiental, e assim o sendo, deverá ser levado a efeito mediante decisão fundamentada, lastreada em lei, de maneira racional e objetiva.

Em outra oportunidade, já manifestamos que o “embargo ambiental não deve ser aplicado se não previsto no ordenamento jurídico, ou melhor, não cabe ao responsável pela condução de um processo administrativo ambiental aplicar (rectius: impor) embargo se não existir previsão legal, e mais, a sua aplicabilidade deve ser empreendida de maneira racional e objetiva, o que afasta a sua imposição subjetiva por critério meramente embasado na conveniência”.[5]

De mais a mais, o embargo ambiental, se bem utilizado, contribui, sem sombra de dúvidas, com a preservação/conservação dos bens ambientais, entretanto, se excessiva for a medida (será verdadeira sanção sem o devido processo legal) = arbitrariedade do responsável pela condução do processo administrativo, as consequências podem afetar o desenvolvimento das atividades inerentes ao agronegócio, e dificultar o empenho das pessoas que contribuem para o desenvolvimento de nosso país, afinal de contas os “negócios jurídicos relativos às atividades desenvolvidas no agronegócio devem, por certo, observar normas inerentes à proteção ambiental, ao consumidor, aos trabalhadores etc., para se efetivarem pautados sobretudo na qualidade dos processos envolvidos que, sem sombra de dúvidas, precisam estar alinhados ao sistema ESG e outros”.[6]

Nesse aspecto, sendo o embargo ambiental óbice às “atividades, portanto, sua aplicabilidade não deve ser ‘subjetiva’, para não se transformar em medida persecutória (caça às bruxas) com imposição de restrição desarrazoada sem fundamentação adequada. Aliás, qualquer restrição, limitação à liberdade, deverá ser necessariamente fundamentada em decisão legítima, inclusive no âmbito administrativo.[7] Aquele que impõe restrição, de qualquer natureza, possui o dever de fundamentação, explicar o porquê da necessidade de se embargar determinada área rural, por exemplo, e, com prazo de validade, já que não há falar em restrição ad aeternum.[8] É preciso respeitar o devido processo ‘administrativo’ legal”.[9]

De outro lado, o desembargo ambiental é imprescindível à atividade exercitada pelos empresários rurais, na medida em que possibilita a retomada de ações positivas para o fluxo ótimo do desenvolvimento sustentável.

Tanto o embargo como o desembargo ambientais exigem a presença de requisitos essenciais legais às suas deflagrações, e, segundo pensamos, não devem ser tomados sem a devida e necessária fundamentação.

O embargo encontra-se previsto no art. 101, II, do Decreto Federal n. 6.514/2008 e art. 6º, III, da Instrução Normativa n. 19/2023, do Ibama,[10] já os documentos necessários ao desembargo estão no art. 4º, da Instrução Normativa n. 8/2024, do Ibama. Os empresários rurais também poderão aderir ao PRA (Programa de Regularização Ambiental – ex vi do art. 59, do Código Florestal) para obtenção da suspensão do embargo ambiental e multas ambientais, com as suas especificidades e exigências.

Nesse aspecto, os empresários que pretendam retomar suas atividades devem comprovar a regularidade de suas áreas, com a efetiva apresentação de documentos e ações aptos à validação do pretendido “desembaraço” administrativo.

As ações (o núcleo: agir) e a apresentação dos documentos exigidos à comprovação de possível regularidade são imprescindíveis ao desembargo ambiental.

Se os empresários rurais que tiveram suas áreas atingidas por embargos ambientais, agirem e demonstrarem aptidão documental, o agente responsável deverá desembargar a área, claro, mediante a devida fundamentação.

O órgão administrativo competente que impôs o embargo ambiental não deve, de maneira alguma, protelar o “desembaraço” por questões subjetivas distantes do “devido processo” legal.

Ora, se o órgão ambiental, por motivação (rectius: fundamentação) às margens do “devido processo”, protelar o desembaraço, os sujeitos direta e indiretamente prejudicados poderão lançar mão de variados instrumentos hábeis a debelar decisões desencontradas e despidas de fundamentação.

Os referidos instrumentos, se assim podemos dizer, são aqueles que poderão ser manejados nas esferas administrativas e judiciais, ou melhor, para a devida correção do fluxo procedimental ou responsabilização daqueles que deveriam decidir a tempo e modo e não o fizeram (v.g., pedido de providências, reclamações, correições parciais, mandados de segurança, ações de nulidade, produção antecipada de provas, produção de prova emprestada).

Em outra oportunidade, ressaltamos:

“Importante ressaltar que a postura sobretudo proativa configura-se de suma importância às atividades do agronegócio, mas, também, é necessário ter consciência das normas existentes para que o negócio não se transforme em verdadeira dor de cabeça. A conscientização é primordial, cultural, entretanto, é preciso entender e combater os excessos praticados em desfavor daqueles que cumprem a legislação e investem tempo e dinheiro no desenvolvimento sustentável de seus negócios”.[11]

O embargo ambiental não deve jamais ser utilizado de maneira persecutória, como instrumento de vindita, sob pena de trazer irreparáveis prejuízos às atividades que contribuem sobremaneira ao desenvolvimento de nosso país, e, de certa forma, ao próprio ambiente.

Notas e Referências:

[1] Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Especialista em Direito Processual Civil pelo CEU-SP (atual IICS). LL.M em Proteção de Dados: LGPD & GDPR com dupla titulação pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do RS e Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Especialista em Mercado de Carbono pela Proenco-SP. Professor de Direito da Unipac-Uberaba-MG e da Universidade Federal de Uberlândia-UFU-MG. Membro da Comissão de Processo Civil da OAB-MG e Presidente da Comissão de Direito Ambiental, Agrário e Urbanístico da 14ª Subseção da OAB-MG. Diretor de Publicações da UBAA (União Brasileira da Advocacia Ambiental). Membro da APRODAB. Membro do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual), da ABDPro (Associação Brasileira de Direito Processual), do CEAPRO (Centro de Estudos Avançados de Processo). Membro do Conselho de Redação da RBDPro (Revista Brasileira de Direito Processual). Membro do Conselho Editorial das revistas Fórum de Direito Urbano e Ambiental e da Magister de Direito Ambiental e Urbanístico. Autor e coordenador de obras jurídicas. Advogado e consultor jurídico. E-mail: [email protected]

[2] Pós-Doutor pela Universidade de Lisboa. Doutor em Direito pela PUC/RS e Università degli Studi di Pavia. Mestre em Direito pela UNISINOS e pela PUC Minas. Especialista em Direito pela UFRGS. É Professor Titular do programa de graduação e pós-graduação (Doutorado, Mestrado e Especialização) da FADISP. É Professor da pós-graduação (lato sensu) da PUC/SP. Foi Professor assistente (visitante) do programa de graduação da USP e Professor do programa de graduação e pós-graduação (lato sensu) da PUC/RS. Presidente da Comissão de Processo Constitucional do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo). Membro do IAPL (International Association of Procedural Law), do IIDP (Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal), do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual), IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), da ABDPC (Academia Brasileira de Direito Processual Civil), do CEBEPEJ (Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais), da ABDPro (Associação Brasileira de Direito Processual) e do CEAPRO (Centro de Estudos Avançados de Processo). Advogado, consultor jurídico e parecerista. E-mail: [email protected]

[3] Nesse aspecto, Alexandre Burmann destaca que as “demais sanções, chamadas de medidas administrativas cautelares, podem ser aplicadas independentemente do auto de infração, sendo lavradas em formulários próprios, sem emendas ou rasuras que comprometam a sua validade; e conterão, além da indicação dos respectivos dispositivos legais e regulamentares infringidos, os motivos que ensejaram o agente autuante a assim proceder. São medidas excepcionais e não podem estar descoladas dos princípios que regem o processo administrativo, como legalidade e motivação” (Fiscalização ambiental: teoria e prática do processo administrativo para apuração de infrações ambientais. 2. ed. Londrina, PR: Thoth, 2024, p. 107).

[4] Segundo Curt Trennepohl, Terence Trennepohl e Natascha Trennepohl: “Inicialmente, recomendamos a leitura dos comentários ao art. 3º, no que se refere ao embargo, para entender a diferença entre e medida administrativa e a sanção por ele representada. É importante, também, observar que este art. 101 trata de medidas administrativas, e não sanções. Como tal, para prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo, o agente autuante pode aplicá-las sem necessidade do contraditório ou da ampla defesa. No entanto, a autoridade competente para convalidar (ou suspender) essas medidas emergenciais devem fazê-lo num prazo razoável, infelizmente não estabelecido em lei, o que as transforma, indevidamente, em sanções” (Infrações ambientais: comentários ao Decreto 6.514/2008. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil 2019, p. 393).

[5] Nesse sentido, com o devido aprofundamento: Silva, Bruno Campos; Thamay, Rennan. Embargo ambiental – até quando? Conceitos, perspectivas e soluções. (no prelo)

[6] Silva, Bruno Campos; Thamay, Rennan. Embargo ambiental – até quando? Conceitos, perspectivas e soluções. (no prelo)

[7] Silva, Bruno Campos. “Decisões” proferidas em processos administrativos ambientais também “devem ser fundamentadas”. Disponível em: https://juridicamente.info/decisoes-proferidas-em-processos-administrativos-ambientais-tambem-devem-ser-fundamentadas/ Acesso em 10/06/2024.

[8] Trenepohl, Curt. Fim do embargo ambiental ad aeternum. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/embargo-ambiental-ad-aeternum-regulamento-23042021. Acesso em 10/06/2024.

[9] Silva, Bruno Campos; Thamay, Rennan. Embargo ambiental – até quando? Conceitos, perspectivas e soluções. (no prelo)

[10] Verificar: “Decreto Federal n. 6.514/2008 – Art. 101. Constatada a infração ambiental, o agente autuante, no uso do seu poder de polícia, poderá adotar as seguintes medidas administrativas: I – apreensão; II – embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas; III – suspensão de venda ou fabricação de produto; IV – suspensão parcial ou total de atividades; V – destruição ou inutilização dos produtos, subprodutos e instrumentos da infração; e VI – demolição. § 1º As medidas de que trata este artigo têm como objetivo prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo. § 2º A aplicação de tais medidas será lavrada em formulário próprio, sem emendas ou rasuras que comprometam sua validade, e deverá conter, além da indicação dos respectivos dispositivos legais e regulamentares infringidos, os motivos que ensejaram o agente autuante a assim proceder. § 3º A administração ambiental estabelecerá os formulários específicos a que se refere o § 2º. § 4º O embargo de obra ou atividade restringe-se aos locais onde efetivamente caracterizou-se a infração ambiental, não alcançando as demais atividades realizadas em áreas não embargadas da propriedade ou posse ou não correlacionadas com a infração. (Incluído pelo Decreto 6.686, de 2008)”. (grifo em destaque) “Instrução Normativa n. 19/2023 – Art. 6º. Para fins desta Instrução Normativa, entende-se por: I – infração administrativa ambiental (ou infração ambiental): toda ação ou omissão que viole regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente; II – sanção administrativa: penalidade prevista em lei, aplicada pelo Ibama, para punir toda ação ou omissão definida como infração ambiental; III – medida administrativa cautelar: medida de caráter preventivo, que tem como objetivo prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo, adotada, independentemente da lavratura de autos de infração, pelo agente ambiental federal no ato da fiscalização ou em momento posterior; (omissis)”. (grifo em destaque)

[11] Silva, Bruno Campos; Thamay, Rennan. Embargo ambiental – até quando? Conceitos, perspectivas e soluções. (no prelo)

Fonte: Juricamente

Bruno Campos Silva – Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Especialista em Direito Processual Civil pelo CEU-IICS-SP. Pós-graduando LLM Internacional em Proteção de Dados: LGPD & GDPR pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul – FMP Law e pelo Cento de Investigação de Direito Privado da Faculdade de Direito de Lisboa – CIDP. Professor de Direito Ambiental da Fupac-Unipac. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPro. Membro do Centro de Estudos Avançados de Processo (CEAPRO). Membro do Conselho de Redação da Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro. Coautor de obras coletivas na área do Direito Processual Civil. Especialista em Mercado de Carbono pela Proenco-SP. Membro da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil – APRODAB. Membro do Conselho Editorial da Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico. Membro da Revista Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA. Coordenador e coautor de obras coletivas nas áreas do Direito Ambiental e Urbanístico. Membro da Academia Latino-Americana de Direito Ambiental – ALADA. Membro da União Brasileira da Advocacia Ambiental – UBAA. Atual Presidente da Comissão de Direito Ambiental, Agrário e Urbanístico da 14a Subseção da OAB-MG. Advogado.

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