terça-feira , 15 outubro 2024
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Da Política à Prática: Implementando as Medidas Anti-desmatamento da Europa no Brasil

Por Luiza de Araujo Furiatti

Em janeiro de 2025 entra em vigor o Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), também conhecido como Lei Antidesmatamento.

Aprovada em maio de 2023, a norma restringe a entrada de produtos estrangeiros provenientes de áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020. A princípio, foram definidas sete cadeias produtivas que serão alvo da proibição: soja, cacau carne bovina, cacau, café, óleo de palma, soja, borracha e madeira e alguns produtos derivados.

O regramento faz parte de uma política do Bloco Europeu para proteção e restauração de florestas no mundo como instrumento para o enfrentamento das mudanças climáticas. O objetivo é a formação de cadeias produtivas livres de desmatamento. Para tanto, foram definidos três requisitos para a entrada dos produtos na Europa: proibição de uso de áreas desmatadas após dezembro de 2020 (desmatamento legal ou ilegal), comprovação da realização da devida diligência e regularidade em relação a lei local.

Após mais de um ano da edição da norma e faltando menos de seis meses para a entrada em vigência, o que de fato existe são dúvidas em relação a como proceder.

Os mecanismos para implementação das restrições ainda estão em negociação. A União Europeia está desenvolvendo uma plataforma multisetorial para aferir o controle das áreas desmatadas. Porém, essa é a única medida já divulgada.

As críticas ao texto do regramento são inúmeras, descrevem as obrigações como discriminatórias, unilaterais e punitivas. Além, do pouco reflexo na questão principal: o enfrentamento das mudanças climáticas. Lei Antidesmatamento

De acordo com o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima), as indústrias respondem por 34% do carbono global, resultado de atividades intensivas como siderurgia, produção de cimento, químicos, entre outros. Enquanto a agricultura e uso da terra está com 22% das emissões, das quais 11% estão relacionadas ao desmatamento. Lei Antidesmatamento

De outro lado, os países exportadores, principalmente os tropicais que são os mais afetados pela medida, estão discutindo formas para adequação da produção. É flagrante que a questão ambiental não reina exclusivamente, existem fatores de comercio internacional que podem prejudicar os países produtores de commodities.

O Brasil é um dos grandes atingidos, já que tem uma forte exportação para Europa. Mas não só isso, o desmatamento é uma “marca” que infelizmente está atrelada aos produtos brasileiros, mesmo o país tendo uma legislação ambiental robusta e uma produção bastante sustentável. Lei Antidesmatamento

O maior desafio para o setor agropecuário não é parar de desmatar. Grande parte da produção brasileira tem origem em áreas abertas antes de 2008, restrição que decorre do Código Florestal. O Brasil já assumiu a meta de desmatamento ilegal zero até 2030.

Ou seja, a questão ambiental da expansão das fronteiras agrícolas é uma situação já gerenciada e monitorada no país.

O desafio brasileiro é comprovar tudo isso de forma rápida, já que o Bloco Europeu em 2023, foi o segundo maior comprador de produtos brasileiros, totalizando US$ 46 bilhões. O não atendimento à norma pode causar muito caro e impactar fortemente a economia brasileira.

Os três requisitos devem ser comprovados para viabilizar a entrada dos produtos na Europa. Em relação a data do desmatamento, apensar de o Brasil ter um sistema avançado de controle e monitoramento com índices históricos (dados do Inpe, PRODES e outras ferramentas geoespaciais), não existe um procedimento de documentação ou uma certificação oficial. Como acontece com a Madeira, com o controle do DOF.

A comprovação da devida diligência é um processo, com coleta de dados e informações de âmbito ambiental, social e de direitos humanos. A legalidade em relação às normas internas, aparentemente é o requisito com maior viabilidade atualmente, já que o sistema do licenciamento ambiental é um atestado que a atividade econômica está de acordo com a lei.

Em simples palavras é esse o cenário da adequação à norma no país. Uma alternativa que pode englobar os três critérios, é a efetiva implementação do Cadastro Ambiental Rural- CAR, instrumento de política pública criado em 2012, no Código Florestal.

O CAR é o grande trunfo do governo brasileiro, que infelizmente não está sendo tratado como prioridade. O cadastro reúne as informações de uso da terra de todas as propriedades rurais brasileiras, com dados sobre a regularidade das áreas de preservação, a incidência de áreas de especial proteção, bem como tem a validação do órgão ambiental.

O investimento nesse instrumento é essencial, já que ele pode atender a dois dos requisitos data do desmatamento e comprovação do cumprimento da lei local. As vantagens do CAR não param por aí.

Uma das maiores dificuldades dos pequenos e médios produtores será o custo dos requisitos europeus. Será necessário investir na rastreabilidade, o que atualmente se torna incerto pela inexistência do regulamento da norma europeia.

O CAR já existe, já tem uma base dados com mais de 90% das propriedades rurais
cadastradas, diminuindo certamente o custo para o produtor.

Os desafios da lei anti-desmatamento são inúmeros, o Brasil tem a legislação ambiental mais rigorosa do mundo, a produção em sua maior parte é sustentável, já existem mecanismos de controle e comando que monitoram as atividades. Tudo isso precisa ser dito e argumentado para os compradores estrangeiros, é uma grande missão brasileira.

Luiza de Araujo Furiatti – Advogada com atuação em Direito Ambiental, Mestre em Direito Ambiental e Sustentabilidade

 

 

 

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