sexta-feira , 6 dezembro 2024
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TRF4 admite convalidação de Licença Prévia em processo no qual a Funai participou somente após a sua expedição

Confira a decisão do TRF4:

 

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5000550-92.2014.4.04.7008/PR
RELATOR
:
CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
APELANTE
:
MARIO TEIXEIRA
ADVOGADO
:
JAMES BILL DANTAS
:
CELIO LUCAS MILANO
:
FABIANE TESSARI LIMA DA SILVA
:
AMIR JOSE FINOCCHIARO SARTI
:
Saulo Sarti
:
Lia Sarti
:
Ludmilla Guimarães Rocha
:
Cauê Martins Simon
APELADO
:
ABELARDO BAYMA AZEVEDO
:
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA
APELADO
:
PORTO PONTAL PARANA IMPORTACAO E EXPORTACAO S.A.
ADVOGADO
:
FERNANDA MACIEL GARCEZ
APELADO
:
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI
:
VOLNEY ZANARDI JUNIOR
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Esta ação popular ajuizada por Mário Teixeira contra o IBAMA, Abelardo Bayma Azevedo (ex-Presidente do IBAMA), Volney Zanardi Júnior (atual Presidente do IBAMA), Porto Pontal Paraná Importação e Exportação Ltda. e a FUNAI objetiva a declaração de nulidade da Licença Prévia nº 376/2010, expedida em 12/11/2010, e a declaração de nulidade da renovação dessa licença datada de 11/03/2013, concedidas ao empreendimento Terminal Portuário Pontal do Paraná, proposto para ser implantado na Ponta do Poço, no Município de Pontal do Paraná/PR.

A sentença julgou improcedente a ação.

O autor interpôs apelação pedindo a reforma da sentença e a procedência da ação, alegando que (a) a licença prévia é nula porque foi concedida em local onde existe comunidade indígena na Área de Influência Direta (AID) do empreendimento e sem parecer conclusivo da FUNAI sobre a influência do empreendimento sobre a comunidade indígena; (b)houve reconhecimento do pedido porque os órgãos públicos passaram a cumprir suas funções no sentido de defender os interesses indígenas somente depois do ajuizamento desta ação; (c) a apresentação do Termo de Referência do Componente Indígena pela FUNAI confirma que a licença prévia é nula porque fora concedida sem efetiva participação daquele órgão e somente a partir deste termo é que poderiam ser estabelecidas condicionantes para preservação dos interesses indígenas.

Foram apresentadas as contrarrazões.

Nesta instância, o autor noticia fato novo consubstanciado na concessão de Licença de Instalação do empreendimento e pede a suspensão dessa licença até que sejam regularizados os estudos de impacto ambiental quanto ao componente indígena relativos à emissão da licença prévia, sob pena de ineficácia do provimento final pretendido (eventos 5 e 6).

O pedido foi indeferido (evento 8).

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento da apelação e do reexame necessário (evento 17).

O autor interpôs embargos de declaração (evento 23).

A ré Porto Pontal Paraná Importação e Exportação S.A. apresentou contrarrazões aos embargos de declaração (evento 26).

É o relatório. Peço dia.

VOTO
Estou votando por dar parcial provimento à apelação e ao reexame necessário apenas para reconhecer a necessidade de participação da FUNAI no processo de licenciamento em questão, cabendo à FUNAI e ao IBAMA continuar adotando as providências cabíveis no âmbito de suas competências no sentido de garantir a participação da FUNAI no processo de licenciamento dentro daquilo que aqueles órgãos entenderem necessário e pertinente para proteger as terras indígenas em questão e respectivas comunidades, pelas seguintes razões.

Realmente, era necessária a participação da FUNAI desde o início do processo de licenciamento, o que não foi observado pelos órgãos competentes antes de expedir a licença prévia.

Da análise do processo de licenciamento juntado com a inicial, verifica-se que a FUNAI estava ciente do procedimento e estava participando do mesmo, mas a licença teria sido concedida com base em EIA/RIMA que não considerou o componente indígena, antes mesmo de um parecer conclusivo daquele órgão sobre os efeitos do empreendimento às terras e comunidades indígenas próximas.
Em 13/09/2010, a FUNAI reiterou a solicitação feita anteriormente ao IBAMA para que este encaminhasse documentos para embasar o termo de referência específico no âmbito do componente indígena (evento 1 – processo administrativo 21, p. 87). Em 30/09/2010, o IBAMA encaminhou alguns documentos (evento 1 – processo administrativo 21, p. 95). Em 10/11/2010, o IBAMA concedeu a licença prévia.

Em 02/02/2011, a FUNAI informa a proximidade do projeto em relação às Terras Indígenas Sambaqui e Ilha da Cotinga e manifesta a necessidade do acompanhamento, por aquela Fundação, do Componente Indígena do processo de licenciamento ambiental. Disse, ainda, naquela ocasião, que ‘a partir das informações contidas no EIA/RIMA, serão realizadas plotagem e análise técnico-cartográfica do empreendimento e então será emitido um Termo de Referência para os estudos específicos do Componente Indígena’ (evento 1 – processo administrativo 21, p. 165).

Depois disso, não se tem notícias quanto à participação efetiva da FUNAI no processo, até o exame do pedido liminar em sede de agravo de instrumento. Tem-se apenas um ofício encaminhado pela FUNAI à Coordenação Geral de Licenciamento Ambiental informando que ‘Com base na Informação Cartográfica nº 0738/13 (CGGeo) e em consulta aos arquivos desta Diretoria, o referido terminal dista 3km da Terra Indígena Ilha da Cotinga (regularizada) e 9km da Terra Indígena Sambaqui (em estudo por meio da Portaria nº 528/PRES, de 14/04/2010). No momento, não há registro de reivindicações fundiárias indígenas na área do licenciamento. Ressaltamos ainda que o terminal não incide na proposta de delimitação da Terra Indígena Sambaqui.’.

Isso foi constatado por ocasião do julgamento do agravo de instrumento nº 5009059-84.2014.404.0000 e, por isso, esta Turma decidiu conceder em parte a antecipação de tutela para suspender os efeitos da licença prévia até manifestação da FUNAI. Naquele julgamento, expedi os seguintes argumentos, os quais reproduzo aqui, adotando-os como razão de decidir, nestes termos:

A controvérsia envolve a expedição (e renovação) de licença ambiental prévia do empreendimento denominado ‘Terminal Portuário Pontal do Paraná’, previsto para ser implantado na Ponta do Poço, Município de Pontal do Paraná-PR, sem que tenha havido manifestação prévia da FUNAI, à vista da proximidade da localização com áreas definidas como terras indígenas.

A FUNAI, nas contrarrazões do agravo, confirmou a proximidade do empreendimento de terra indígena, bem como a possibilidade de impacto sobre ela, assim se pronunciando sobre sua participação no respectivo licenciamento ambiental:

‘O empreendimento denominado Terminal Portuário Pontal do Paraná tramita na CGLic, no processo nº 08620.002893/10-12, instaurado a partir de Ofício remetido pela FUNAI ao IBAMA.

Atualmente o projeto conta com Licença Prévia, ainda vigente. A fim de apurar eventuais impactos sofridos por comunidades indígenas, foi elaborado EIA/RIMA para o empreendimento, a partir de Termo de Referência emitido pelo Ibama sem consulta à Funai, redundando na emissão de Licença Prévia, em novembro de 2010.
Diante disso, a priori, entende-se que os estudos ambientais não consideraram o componente indígena adequadamente, mas ainda não há manifestação conclusiva a esse respeito.
Por isso, entende-se que o autor da ação popular não tem sequer interesse de agir contra a autarquia indigenista.
Em 02/02/11 a FUNAI remeteu ao licenciador o Of. nº 103/2011/DPDSFUNAI- MJ, por meio do qual esclareceu que o projeto do empreendimento, tal como descrito no EIA/RIMA está próximo das Terras Indígenas Sambaqui e Ilha da Cotinga, informando da necessidade do acompanhamento, pela FUNAI, do componente indígena do processo de licenciamento ambiental. A Funai também informou ao IBAMA que ainda pretendia realizar a plotagem e análise técnico cartográfica do empreendimento e, a final, emitir um Termo de Referência para os estudos específicos do componente indígena.
Desde então, conforme se pode conferir no PA anexo, foi realizada a plotagem pela Diretoria de Proteção Territorial, verificando-se que o referido terminal dista 3km da TI Ilha da Cotinga (regularizada) e 9km da TI Sambaqui, ainda carecendo de estudos complementares para posicionamento conclusivo da instituição sobre a viabilidade, os impactos reais do empreendimento e as suficiência e adequação das condicionantes até agora impostas.
Finalmente, destaca-se que o parecer técnico que subsidiou a renovação da LP data de fevereiro de 2013, e a renovação foi efetivada em março do mesmo ano, ou seja, ambos os documentos elaborados pelo IBAMA quando já havia sido informado pela FUNAI (em 2010 e 2011) acerca da existência de terras indígenas na área de influência do projeto e a necessidade de procedimentos específicos relacionados ao componente indígena.
Como se vê, a FUNAI ainda não emitiu manifestação conclusiva sobre o caso, razão pela qual não existe pretensão resistida capaz de justificar a permanência desta Fundação no polo passivo da demanda.
Portanto, é certa a necessidade da realização de estudos sobre a possibilidade de impactos do empreendimento sobre as comunidades indígenas, e, no caso da conclusão ser positiva, das medidas preventivas e mitigadoras a serem adotadas.
A questão é saber-se se a participação da FUNAI, introduzindo o componente indígena no processo de licenciamento ambiental, deve ocorrer desde a primeira fase do processo, quando da expedição da licença prévia (que, no caso, já ocorreu, sem a participação da FUNAI e desconsiderando o componente indígena), ou se ela pode acontecer posteriormente, no curso do processo de licenciamento, como pretendem o IBAMA e, ainda que sub-repticiamente, a própria FUNAI.
Data venia, tenho que, sendo conhecida e evidente a possibilidade de impacto ambiental do empreendimento sobre terras e comunidades indígenas, a participação da autarquia indigenista tem de ocorrer desde o início do processo de licenciamento, de forma que o componente indígena seja abordado e inserido já quando da expedição da licença prévia, fazendo-se incluir no documento a obrigatoriedade dos estudos e as condicionantes que se mostrem necessárias. A licença prévia contém a formatação inicial do empreendimento, ao passar pelo primeiro crivo da legislação ambiental, e delimita os estudos a serem desenvolvidos no curso do licenciamento. Confira-se, a propósito, o teor do art. 8º da Resolução237/97 do CONAMA:
Art. 8º – O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes licenças:
I – Licença Prévia (LP) – concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação;
(…).
Portanto, a intervenção formal da FUNAI no processo de licenciamento é impositiva desde seu início, independentemente das conclusões a que chegar a autarquia indigenista sobre a existência ou não de impacto a comunidades indígenas, sua extensão, e eventuais medidas preventivas e mitigadoras, no termo de referência a ser elaborado.

Aliás, a participação da FUNAI no processo de licenciamento ambiental de empreendimentos que potencialmente gerem impactos ambientais e socioculturais que afetem terras e/ou povos indígenas está disciplinada na Instrução Normativa nº 01/2012, da Presidência da FUNAI, cuja redação foi alterada em parte pela Instrução Normativa nº 4 do mesmo ano. O ato normativo prevê a intervenção da autarquia indigenista desde o início do processo de licenciamento ambiental nos caso em que haja potencialmente risco a comunidades indígenas, como se pode depreender da leitura dos preceitos que transcrevo:

A PRESIDENTE, SUBSTITUTA, DA FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo Estatuto,(…) considerando (…),resolve:
Art. 1º Estabelecer normas sobre a participação da Fundação Nacional do Índio – Funai no processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades potencial e efetivamente causadoras de impactos ambientais e socioculturais que afetem terras e povos indígenas.

Art. 2º Para efeito da presente instrução normativa, os empreendimentos ou atividades potencial e efetivamente causadores de impactos ambientais e socioculturais a terras e povos indígenas são aquelas:

I. Localizadas em terras indígenas;
II. Localizadas no entorno de terras indígenas;
III. Listadas como tal pela resolução Conama nº. 237, de 19 de dezembro de 1997.
§1º Em relação à delimitação da área indicada no inciso II acima, adotar-se-ão as distâncias estabelecidas na Portaria Interministerial nº 419, de 26 de outubro de 2011, no caso de empreendimentos conduzidos em âmbito federal.
§2º Nos empreendimentos conduzidos em âmbito estadual, diante da ausência de regulamentação específica, as distâncias da Portaria nº 419/11 poderão ser tomadas como parâmetro. [os grifos são meus].

A propósito, segundo o anexo II da portaria acima mencionada, em todas as regiões brasileiras (à exceção da Amazônia Legal), presume-se a interferência sobre terras indígenas quando o empreendimento distar 8 km, no caso de ‘empreendimentos pontuais’ (portos, mineração e termoelétricas), como é o caso dos autos. O empreendimento ora em questão está localizado a 3 km da Terra Indígena Ilha da Cotinga (regularizada) e a 9 km da Terra Indígena Sambaqui, o que demonstra tratar-se de ‘empreendimento potencial e efetivamente causador de impacto ambiental e sociocultural a terras e povos indígenas’.

Segue a Instrução Normativa, prevendo a intervenção da FUNAI em todas as fases do licenciamento ambiental quando estiverem em causa interesses das comunidades indígenas:

Art. 4 À Coordenação Geral de Gestão Ambiental – CGGAM da Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável -DPDS é atribuída a responsabilidade de coordenação dos processos de licenciamento ambiental dos empreendimentos ou atividades potencial e efetivamente causadoras de impactos ambientais e socioculturais a terras e povos indígenas, no que se refere ao componente indígena.

(…)
§ 3 Os órgãos licenciadores (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama ou Órgãos Estaduais de Meio Ambiente) são os principais interlocutores no que se refere ao acompanhamento de empreendimentos ou atividades potencial e efetivamente causadoras de impactos ambientais e socioculturais a terras e povos indígenas. A Funai deve se reportar e agir em colaboração e parceria com estes órgãos e ser responsável pelo componente indígena em todas as fases do processo de licenciamento ambiental.
(…)
Art. 7 A CGGAM informará às comunidades indígenas potencialmente afetadas, diretamente ou por meio das unidades administrativas locais da Funai (CRs e CTLs), a instauração de procedimento interno para acompanhamento de processo de licenciamento ambiental.
Parágrafo único. A participação da Funai nos processos de licenciamento ambiental tem caráter interveniente à ação dos órgãos licenciadores.
(…)
Os artigos 9º e seguintes da IN 01/2012 estabelecem os procedimentos internos da FUNAI e o modo de intervenção na fase de licenciamento prévio:
Procedimentos internos da Funai na fase de Licença Prévia
Art. 9º Quando necessário, a CGGAM emitirá Termo de Referência Específico para elaboração do componente indígena dos estudos de impacto ambiental, com o apoio e colaboração, quando necessário, das unidades locais da Funai. A CGGAM utilizará como parâmetro o Termo de Referência padrão previsto na Portaria Interministerial nº 419/2011.
§ 1º Para fins de elaboração do Termo de Referência, a CGGAM poderá consultar a Diretoria de Proteção Territorial (Coordenação Geral de Geoprocessamento e Coordenação Geral de Identificação e Delimitação).
§ 2 Da mesma forma, para subsidiar a elaboração do Termo de Referência, a CGGAM consultará a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato para que se manifeste a respeito da interferência do empreendimento sobre essas comunidades ou áreas de referência.

Art.10 O Termo de Referência deve necessariamente solicitar:

I – a identificação, a análise e a avaliação dos possíveis impactos ambientais e socioculturais a terras e povos indígenas decorrentes do empreendimento, bem como a relação dos povos potencialmente afetados com este.
II. a contextualização da área de influência do empreendimento, com relação às terras e povos indígenas, baseada nas particularidades técnicas do(s) empreendimento(s), das obras, dos povos potencialmente afetados e do contexto ambiental e regional;
III. os impactos causados por outros empreendimentos associados já existentes e os que poderão surgir em decorrência do efeito multiplicador do empreendimento estudado, abordando de modo integrado as relações sinérgicas, cumulativas e globaisentre os efeitos somados;
IV. a participação efetiva das comunidades indígenas em todo o processo de levantamento de dados, reflexão e discussão dos impactos;
V. as relações interétnicas e históricas entre os povos indígenas envolvidos e outros grupos sociais, analisando, de forma dinâmica, as relações entre esses grupos sócio-econômicos ao longo do tempo, de forma a estabelecer tendências, cenários e prognósticos;
VI – Avaliação dos impactos em relação aos conhecimentos e práticas tradicionais, conhecimento imaterial relacionado aos povos indígenas serão considerados no processo de avaliação dos impactos ambientais e socioculturais, respeitando seus direitos sobre o território, o uso sustentável dos recursos naturais e a necessidade de se proteger e salvaguardar as práticas tradicionais.
VII. a viabilidade do empreendimento sob a ótica do componente indígena;
VIII. medidas mitigadoras e sua eficácia com relação aos impactos diagnosticados.

Art. 11 A Funai encaminhará o Termo de Referência do componente indígena ao órgão licenciador.

Art. 12 Para a realização dos estudos o empreendedor deverá apresentar Plano de Trabalho contendo cronograma de atividades, currículo da equipe técnica e termo de compromisso para ingresso em terras indígenas devidamente assinado para análise e manifestação da CGGAM/DPDS.

§ 1 A equipe responsável por realizar os estudos do componente indígena deverá ser multidisciplinar, composta por profissionais das áreas humanas/sociais e ambientais/naturais, devendo ser coordenada por um(a) antropólogo(a).
§ 2 Será realizada análise de currículo dos profissionais e verificação quanto a existência de pendências na entrega ou elaboração de produtos para a Funai.
§ 3º Membros da equipe técnica e empresas de consultoria deverão sanar as pendências de entrega de produtos na Funai para que possam participar de novos estudos.
§ 4 Sendo identificado o acúmulo de mais de um produto em andamento por um mesmo profissional, deverá ser comprovada a compatibilidade de cronograma.
§ 5 A equipe técnica só poderá ingressar na(s) Terra(s) Indígena(s) para realização dos estudos após manifestação da CGGAM/DPDS e devidamente acompanhada de um técnico da Funai.

Art. 13 A CGGAM acompanhará, diretamente, com apoio ou por meio das unidades locais da Funai, a realização dos estudos previstos no Termo de Referência junto às comunidades potencialmente afetadas.

Art. 14 A equipe que realizará os estudos de impacto ambiental não poderá utilizar os conhecimentos e práticas tradicionais e os conhecimentos da biodiversidade e imateriais dos povos indígenas estudados para outros fins que não o de análise dos possíveis impactos ambientais, sociais e culturais.

§ 1 A utilização dos conhecimentos e práticas tradicionais e os conhecimentos imateriais dos povos indígenas estudados em finalidade diversa da regulamentada na presente instrução normativa deverá seguir as normas e procedimentos legais.
§ 2 Deverá constar de relatório específico, a ser entregue à Funai, os componentes da biodiversidade, os conhecimentos e as práticas tradicionais e os conhecimentos imateriais que foram identificados durante a realização dos estudos de impacto ambiental, por conta da necessária avaliação das atividades potencial e efetivamente causadoras de impactos ambientais e socioculturais a terras e povos indígenas, para fins de cadastramento previsto no art. 8 , parágrafo 2 , da Medida Provisória n 2.186-16, de 23 de agosto de 2001 ou norma que a venha substituir.

Art. 15 O empreendedor deverá apresentar os estudos do componente indígena, devidamente assinado pelos membros da equipe técnica, para análise da CGGAM quanto ao atendimento dos itens previstos no Termo de Referência.

§ 1º A análise referida no caput será informada ao órgão licenciador

§ 2 Não serão aceitos produtos entregues sem a assinatura da equipe técnica.
§ 3º Considerações e divergências do empreendedor em relação ao conteúdo dos produtos elaborado pela equipe técnica deverão ser apresentadas em documento específico, a ser entregue no ato do protocolo do produto, e que será, também, objeto de análise pela CGGAM

Art. 16 Após a aceitação dos estudos do componente indígena, a CGGAM/DPDS analisará o seu mérito através de parecer técnico, considerando:

a) o cumprimento do Termo de Referência;
b) a interpretação da matriz de impactos considerando a eficácia das medidas propostas;
c) a relação de causa-efeito do empreendimento nas comunidades e pertinência das ações propostas para mitigar e compensar os impactos identificados;
d) se os impactos apontados possuem medidas condizentes para mitigação ou compensação;
e) a viabilidade do empreendimento, do ponto de vista do componente indígena.

Art. 17 Os estudos e o resultado da análise serão apresentados às comunidades indígenas afetadas, em consulta prévia, livre e informada.

Parágrafo único. Às comunidades indígenas afetadas serão encaminhados o componente indígena em sua versão integral, o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA ou Relatório Ambiental Simplificado – RAS e, quando necessário, um relatório em linguagem acessível ou com tradução para línguas indígenas, a ser elaborado pelo empreendedor,

Art. 18 Ouvidas as comunidades indígenas, a FUNAI manifestar-se-á, conclusivamente, sobre a concessão da licença prévia, por meio de ofício dirigido ao órgão licenciador competente.

§ 1 Os estudos poderão ser aprovados com solicitações de complementações e/ou revisões parciais com prazos condicionados para entrega.
§ 2 Para estudos considerados insatisfatórios, serão solicitadas complementações e/ou revisões e a manifestação conclusiva da Funai ocorrerá após a análise de novo produto.
§ 3º Para estudos reprovados, será solicitada a reformulação do produto e a manifestação conclusiva da Funai ocorrerá somente após a análise de novo produto.

Procedimentos internos da Funai na fase de Licença de Instalação.

Art.19 (…).
Como se pode depreender, a própria normatização dos procedimentos da FUNAI prevê sua intervenção antes da expedição da licença prévia, inclusive realizando a mediação com os grupos indígenas potencialmente atingidos, para decidir sobre a viabilidade ambiental do empreendimento sob o enfoque dos interesses das comunidades indígenas, para determinar os estudos que se façam necessários, para estabelecer as condicionantes que devam constar da licença prévia, e assim por diante.

Ressalto que, embora a licença prévia tenha sido concedida em 12-11-2010, e a IN 01/2012 só tenha entrado em vigor em janeiro de 2012, isso em nada prejudica o entendimento desse voto porque a instrução normativa não criou direito novo nem estabeleceu novos deveres ou obrigações para as partes envolvidas no licenciamento.

Com efeito, a necessidade de consideração da terra indígena no licenciamento ambiental já estava prevista na legislação então vigente (Decreto 1.141/94, que regulamentou o art. 1º da Lei 5.371/67) e não dependia da previsão expressa na instrução normativa – apesar de, em verdade, já estar prevista também na Instrução Normativa nº 02/2007 da FUNAI, que a antecedeu (art. 8º). Essas instruções normativas não são declaratórias nem constitutivas do direito/obrigação, mas apenas estabelecem orientação administrativa para consolidar as regras existentes a respeito do licenciamento. Mesmo sem elas existiria a necessidade da terra indígena ser considerada, seja para se reconhecer efetiva influência, seja para se reconhecer serem necessários estudos. O que não pode acontecer é a absoluta omissão da Funai e dos órgãos ambientais quanto à menção à possibilidade de conflito do empreendimento com interesses ou terras indígenas reconhecidas ou com possibilidade de reconhecimento.

Concluindo, ainda que entenda não haver necessidade de se pronunciar a nulidade da licença prévia, julgo que o agravo deva ser provido em parte para suspender os efeitos da mencionada licença, até quer a FUNAI se manifeste sobre a existência ou não de impactos sobre as terras indígenas em questão e respectivas comunidades, bem como indique, se for o caso, estudos e condicionantes necessários para a expedição da licença prévia, que nela deverão ser incluídos.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao agravo de instrumento, na forma da fundamentação.

 

Em cumprimento a esta ordem, a FUNAI apresentou Termo de Referência tendo por finalidade orientar a elaboração do Componente Indígena do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) (evento 105). O Porto Frontal, por sua vez, protocolou junto à FUNAI Plano de Trabalho para realização do Estudo do Componente Indígena para, posteriormente, realizar as eventuais medidas compensatórias e mitigatórias em caso de impacto com a implantação do empreendimento (evento 106).
Assim, não se pode ignorar que (a) a FUNAI realmente não estava atuando no processo de licenciamento; (b) a licença prévia foi concedida sem manifestação conclusiva daquele órgão sobre os impactos do empreendimento às comunidades indígenas próximas; (c) no julgamento do agravo de instrumento por esta Turma foi determinado à FUNAI que se manifestasse no processo administrativo; (d) e somente a partir de então é que o órgão apresentou o Termo de Referência para realização do estudo do componente indígena.

Por essas razões, impõe-se reconhecer a necessidade de participação da FUNAI no processo de licenciamento, o que não significa que a licença prévia seja nula, pois, é possível que tal irregularidade seja sanada e que a falta seja suprida no curso do licenciamento, como parece estar acontecendo, considerando que a licença prévia constitui apenas a etapa inicial daquele processo.

Por oportuno, transcrevo os fundamentos da sentença proferida pelo juiz federal Guilherme Roman Borges, adotando-os como razão de decidir:

Na hipótese, a inobservância de norma aplicável à espécie, a qual determina que a FUNAI participe do processo de licenciamento, ante à existência de comunidades indígenas na área circundante, configura-se ato administrativo anulável decorrente de vício meramente formal, passível de convalidação.

Não há falar que a licença prévia ambiental emitida ao PORTO PONTAL PARANÁ IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA esteja gravada por algum dos vícios de nulidade, principalmente pelo fato de a FUNAI ter acompanhado o procedimento junto ao IBAMA, bem como apresentado posteriormente em juízo o Termo de Referência para elaboração do componente indígena dos estudos de impacto ambiental. Além disso, inexiste qualquer prejuízo material e a finalidade da norma foi atendida em sua plenitude, qual seja, proteger os interesses das comunidades indígenas.

Nesse ponto, insta salientar as lições de Marçal Justen Filho. In verbis:

‘(…) não se admite que a invalidade resulte de mera discordância entre o ato concreto e um modelo jurídico. É imperioso agregar um componente axiológico ou finalista. A nulidade evidencia-se como um defeito complexo, em que se soma a discordância formal e a infração aos valores que derivam. Então, a discordância é a causa geradora desse efeito, consistente no sacrifício dos valores jurídicos. Sem a consumação do efeito (lesão a um interesse protegido juridicamente) não se configura invalidade jurídica. (…) Daí se segue que a ausência de lesão ao interesse do valor tutelado pelo Direito torna irrelevante a desconformidade entre a conduta concreta e o modelo legal. Nesse caso, poderia reconhecer-se a irrelevância da desconformidade, qualificando-a como mera irreguralidade’. (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e contratos administrativos. 15ª Edição. São Paulo: Dialética, 2012. p. 776-777).

Em outros termos, sopesando as circunstâncias envolvidas, o vício procedimental deve ser afastado ante à possibilidade de violação de princípios de índole constitucional e vinculantes da atividade administrativa do Estado, tais como da finalidade, da proporcionalidade e da segurança jurídica. A finalidade é a possibilidade de execução da obra resguardando-se os interesses indígenas, a proporcionalidade é a mitigação das consequências que adviriam com a restrição aos direitos já constituídos e a segurança jurídica é a não alteração desnecessária de fases e atos já vencidos no âmbito do procedimento ambiental.

Ademais, no que tange ao dano material, insta frisar que se tratar de licença emitida em fase preliminar do planejamento de atividade, a qual perquiri apenas os requisitos básicos a serem atendidos pelo empreendedor, sem qualquer autorização para início das atividades. Ou seja, a manifestação da FUNAI, apesar de posterior, em nada afeta os interesses indígenas, muito pelo contrário, permite de igual maneira incorporar cuidados outros mediante a solicitação de complementações e/ou revisões antes da instalação do empreendimento.

Com efeito, é da própria natureza do procedimento administrativo de licenciamento ambiental seu caráter dinâmico, uma vez que a previsão normativa garante a possibilidade de a Administração Pública solicitar esclarecimentos, complementações, revisões do empreendedor, bem como incorporar novas condicionantes. Portanto, descabida a alegação de existência de preclusão administrativa na espécie em relação à participação da FUNAI, por existir neste procedimento diversas etapas e possibilidade de complementações e saneamentos, sem que tais imperfeições impliquem, necessariamente, a  invalidade dos atos pretéritos.

Em outros termos, conclusão contrária é admitir que haverá, no curso do procedimento ambiental, nulidade das licenças já concedidas, diante de esclarecimentos e saneamento de deficiências, o que prejudicaria, de forma definitiva, a efetividade da atuação administrativa no licenciamento ambiental.

Em suma, afastados os preciosismos quanto à forma, deve-se primar pela compatibilização da execução de obras necessárias ao desenvolvimento econômico e social do País com a proteção ao meio ambiente e demais direitos e interesses coletivos.

Destarte, o saneamento de eventuais falhas e consequente convalidação do ato mostra-se plenamente factível, ante à inexistência de lesão ao interesse público nem de prejuízo a terceiros, sendo desnecessária a declaração de nulidade absoluta do procedimento.

Assim, nestes termos e por tais fundamentos, não reconheço a nulidade da Licença Prévia e sua respectiva renovação, tais como pretendidas na exordial.

Assim, em que pese se entenda necessária a participação da FUNAI desde o início do processo de licenciamento, essa irregularidade não implica nulidade da licença prévia concedida, porque é possível que o componente indígena venha a integrar o licenciamento incluindo-se, se for o caso, novas condicionantes.

Quanto à alegação de reconhecimento do pedido, rejeito a alegação porque as providências foram tomadas pela FUNAI em cumprimento à ordem judicial emanada do julgamento do agravo de instrumento, não havendo concordância da FUNAI com a pretensão do autor de anular a licença prévia, nem de que estivesse em falha com sua obrigação de acompanhar o processo de licenciamento.

Quanto ao pedido formulado nesta instância de suspensão dos efeitos da licença de instalação, que foi concedida em 05/05/2015, não conheço do pedido porque não se trata de um fato novo que possa ser discutido nesta ação, mas de um novo pedido e modificação substancial da causa de pedir, o que não pode ser admitido. Entendo que fato novo em apelação só pode ser admitido quando não alterar causa de pedir nem pedido. Se alterar, o desembargador vai precisar produzir provas para examinar e vai perder o exame inicial feito pelo juiz na sentença. A matéria não pode ser conhecida só neste Tribunal (causa de pedir e pedido). É importante o trabalho do juiz, seja pelas provas que pode colher, seja pelo exame que faz na sentença. O TRF não decide, apenas controla a decisão do juiz. Se não houve decisão do juiz, não há o que controlar sobre o fato novo e o CPC falha no julgamento colegiado. Nesse caso, se o autor pretende discutir a licença de instalação, deve ingressar com ação nova, impugnando a licença de instalação. Nesta nova ação vai provar seus argumentos, o juiz vai enfrentar isso, e o tribunal vai controlar.

Sucumbência

Com a reforma da sentença em relação ao IBAMA e à FUNAI, fica caracterizada a sucumbência recíproca das partes, a qual reputo equivalentes, razão pela qual os honorários advocatícios ficam integralmente compensados, nos termos do art. 21 do CPC.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação e ao reexame necessário apenas para reconhecer a necessidade de participação da FUNAI no processo de licenciamento em questão, cabendo à FUNAI e ao IBAMA continuar adotando as providências cabíveis no âmbito de suas competências no sentido de garantir a participação da FUNAI no processo de licenciamento dentro daquilo que aqueles órgãos entenderem necessário e pertinente para proteger as terras indígenas em questão e respectivas comunidades, nos termos da fundamentação.

Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Relator
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5000550-92.2014.4.04.7008/PR
RELATOR
:
CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
APELANTE
:
MARIO TEIXEIRA
ADVOGADO
:
JAMES BILL DANTAS
:
CELIO LUCAS MILANO
:
FABIANE TESSARI LIMA DA SILVA
:
AMIR JOSE FINOCCHIARO SARTI
:
Saulo Sarti
:
Lia Sarti
:
Ludmilla Guimarães Rocha
:
Cauê Martins Simon
APELADO
:
ABELARDO BAYMA AZEVEDO
:
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA
APELADO
:
PORTO PONTAL PARANA IMPORTACAO E EXPORTACAO S.A.
ADVOGADO
:
FERNANDA MACIEL GARCEZ
APELADO
:
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI
:
VOLNEY ZANARDI JUNIOR
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
AÇÃO POPULAR. ANULAÇÃO DE LICENÇA PRÉVIA. EMPREENDIMENTO QUE ATINGE TERRAS E COMUNIDADES INDÍGENAS. NECESSIDADE DE PARTICIPAÇÃO DA FUNAI DE TODO O PROCESSO DE LICENCIAMENTO. IRREGULARIDADE QUE PODE SER SANADA.
Embora reconhecida a necessidade de participação da FUNAI no processo de licenciamento, isso não significa que a licença prévia seja nula, pois, é possível que o componente indígena venha a integrar o licenciamento incluindo-se, se for o caso, novas condicionantes, sanando assim tal irregularidade e suprindo a falta no curso do licenciamento, como parece estar acontecendo, considerando que a licença prévia constitui apenas a etapa inicial daquele processo.
Alegação de reconhecimento do pedido rejeitada porque as providências foram tomadas pela FUNAI em cumprimento à ordem judicial emanada do julgamento do agravo de instrumento, não havendo concordância da FUNAI com a pretensão do autor de anular a licença prévia, nem de que estivesse em falha com sua obrigação de acompanhar o processo de licenciamento.
Pedido formulado nesta instância de suspensão dos efeitos da licença de instalação (concedida em 05/05/2015) não conhecido porque não se trata de um fato novo que possa ser discutido nesta ação, mas de um novo pedido e modificação substancial da causa de pedir, o que não pode ser admitido.
Apelação e reexame necessário parcialmente providos apenas para reconhecer a necessidade de participação da FUNAI no processo de licenciamento em questão, cabendo à FUNAI e ao IBAMA continuar adotando as providências cabíveis no âmbito de suas competências no sentido de garantir a participação da FUNAI no processo de licenciamento dentro daquilo que aqueles órgãos entenderem necessário e pertinente para proteger as terras indígenas em questão e respectivas comunidades.
Com a reforma da sentença em relação ao IBAMA e à FUNAI, fica caracterizada a sucumbência recíproca e equivalente das partes, razão pela qual os honorários advocatícios ficam integralmente compensados, nos termos do art. 21 do CPC.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação e ao reexame necessário, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 05 de novembro de 2015.
Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Relator

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